domingo, 14 de maio de 2023

 

A Psicanálise e a descoberta do Inconsciente: pressupostos para uma Revolução Social e Cultural no Brasil

 

                                                                                                         

                                                                                       Salvador Dalí

                                                                                                                        Luiz Brito

   Se no passado, início do século XX, a psicanálise influenciou na configuração da nova sociedade capitalista que se instalava no Brasil, principalmente através da formação cultural e artística que se apropriaram dos seus conceitos, das suas análises e pesquisas, dando origem a um novo olhar à vida do homem comum, às suas expressões populares, valorizando-se assim as várias formas do sujeito se apresentar na sociedade, considerando a sua heterogeneidade, racial, de costumes, afetos e conflitos, a emergência desse novo século impõe refletir novos pressupostos e desafios para ela.

      Podemos pensar a psicanálise como instrumento capaz de direcionar os rumos sociais e culturais no Brasil a partir de dois momentos distintos. No primeiro momento considerando as transformações históricas ocorridas no decorrer do século XX, com suas configurações em decorrência da industrialização, do êxodo populacional e a emancipação das cidades, que são consequências da inserção do sistema capitalista na sociedade e as novas modificações que ele fez na vida cultural brasileira até o início do século XXI. O segundo momento, talvez esse seja o mais interessante para se analisar, as condições para uma nova revolução estão na constituição social pós pandemia da Covid-19, na qual se anseia a construção de uma nova forma de viver da sociedade, perante o tamanho da destruição que ela causou, forçando um novo olhar para as questões que movem a vida humana como um todo de forma que se faz necessário considerar o atual momento como um “divisor de águas” entre os dois mundos. Um que foi quase dizimado pelo coronavírus e outro que tenta se reerguer a partir dos escombros de traumas, lutos e perdas para a adoção de novos comportamentos, num ambiente de grande insegurança e mal estar.

  Se antes a sociedade brasileira seguia um rumo no sentido de uma normalidade em consonância com as transformações mundiais ao mesmo tempo que construía a sua própria identidade, vale lembrar a importância das manifestações culturais de 1922, num processo de evolução e avanços sociais e culturais, hoje vivemos num mundo em descontrole, onde a abdicação da felicidade se deu em razão da busca de uma segurança, reconhecida no movimento retrógrado que se instalou nos últimos anos no Brasil e em vários países mundo afora.

    Esse movimento do qual se fala acima e que tem como um dos seus principais aspectos a restauração de normas de conduta e fixação de papéis anteriormente adquiridos e que remetem aos velhos valores e costumes, bastante explorados por crenças religiosas, podem estar no cerne da busca pela segurança, ainda que o custo disso seja a supressão da liberdade e assim respectivamente da própria felicidade e ser a grande causa do atual mal estar que desemboca nas mais diversas crises da subjetividade humana.

    Nesse contexto é que a psicanálise se insere, com a função desafiadora de contribuir para a possibilidade de uma nova revolução cultural e social, no qual se procura encontrar uma nova normalidade pós pandemia, ainda que ela esteja pautada em velhos valores e costumes, é nesse ambiente que se deve pensar um novo pressuposto.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Dois Filmes que me valeram o feriado.



 Aproveitei o feriado para revisitar dois grandes filmes brasileiros. O "Bicho de Sete Cabeças", de Lais Bodanzky (2000) e "Cinema Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes ( 2005).
 Nas últimas semanas, tenho me dedicado a estudar roteiros e manuais, além de assistir os mais diversos tipos de filmes, porque estou empenhado em escrever um, cujo título provisório é "Lúcia quer viver", inspirado na obra Casa de Boneca de Ibsen, mas com referências de outras obras e autores como Kafka, Goethe, dentre outros.
 Voltando aos filmes de ontem, Bicho de Sete Cabeças, apesar de ter sido exibido á quase vinte anos tem um tema muito atual, que é a precariedade do sistema manicomial e ainda o tabu quanto tema das drogas, em especial a maconha.
 Dias desses, eu encontrei um colega e por ele soube que um amigo nosso em comum foi internado compulsóriamente pela sua irmã para tratamento. Fiquei chocado com a notícia.
 Esse nosso amigo tem 34 anos, é enfermeiro, tem um apartamento de frente para o mar e depois que sofreu uma desilusão amorosa, passou a usar com frequência antidepressivos, maconha e cocaína. Claro que isso gera uma certa apreensão com quem convive com ele, mas o extremo de internação compulsório me assustou, porque de certa forma, ele mantinha sua rotina, pagava suas contas, ia aos seus compromissos e numa das nossas conversas, ele me revelou que iria pedir afastamento no trabalho e procurar ajuda voluntariamente. Mas sua irmã não conseguiu esperar o seu tempo.
 Já no Cinema Aspirina e Urubus, que na minha opinião é um dos mais importantes filmes nacionais da história do cinema brasileiro, eu me reencontrei com a temática das relações humanas em tempos de crise, guerra e miséria. A busca por sonhos num sertão castigado pela seca, a vida de retirantes sob pontos de vistas de um estrangeiro e um nativo, a arte como uma droga capaz de amenizar o sofrimento e trazer um certo conforto anestésico, tudo isso numa beleza estética incrível.
 Foram horas de grande satisfação que me valeram o feriado. Nem senti falta de bares, baladas, fervo e agitação. Foi um reencontro comigo mesmo e com as coisas que valorizo na vida.
 Vale como uma sugestão para os leitores, revejam filmes que te marcaram. E se quiserem comece a escrever um também.


quinta-feira, 24 de maio de 2018

A Festa de Dona Angelina


Adriana Paiva. Os Gêmeos - “Foto preto-e-branca”, pintura sobre tela.



 No sábado passado Dona Angelina fez uma festa que foi de arromba. Ela queria comemorar seus sessenta anos de idade com uma galera diferente que fosse bem mais jovem e animada. Até que conseguiu porque as pessoas se embebedaram e ouviram Roberto Carlos com uma vivacidade de quem ouve Lady Gaga.
 Ela estava muito feliz. Pulava, cantava, bebia e chegou a dar uns beijinhos num garoto que era amigo de seu quinto neto. Ninguém se espantou com a cena porque afinal era uma festa de sessenta anos com a temática anos dois mil.
 Dona Angelina pensou que era muito mais bacana fazer uma festa de aniversário aos moldes modernos do que uma daquelas chatérrimas dos anos sessenta, setenta ou daí para trás. Imagine uma festa da saudade! “Deus me livre” dizia ela. “ Saudade para quê? Já estou com sessenta anos, se eu começar a viver de saudades me esqueço do hoje e aí perco o que está na moda.” 
 A moda é o que pega. E essa geração é muito mais aberta, mais viva. Ela grita mais, dança mais, fala muito mais besteiras, até sexo fazem mais e com muito mais vigor. Dona Angelina queria ter nascido nessa geração e conhecido a de sessenta e oito apenas pelos livros do Zuenir Ventura. 
 Tirando o quinto neto, que além de ser jovem e muito ligado a avó materna, os outros quatros sentem vergonha do jeito com que dona Angelina se comporta, “ Pensa que é uma adolescente!”. Sua filha já não se importa, acha a mãe divertida e até briga muito com o marido e os filhos mais velhos defendendo a opção de   Dona Angelina. A única coisa que desaprovou foi um relacionamento relampago que a sua mãe teve com uma lésbica que tinha quase a mesma idade dela.” É uma experiência nova para mim Érica, deixa eu curtir depois te falo se virei lésbica ou não!”. 
 No fundo era só uma experiência mesmo, que não durou mais do que alguns dias até aparecer um senhor meio maluco que a roubou da tal lésbica que sumiu do mapa. 
 Na festa de sábado passado Dona Angelina estava solteira porque sabia o que queria. E ela por sí só já se bastava, não precisava de companhia de ninguém, apenas dos amigos. Mesmo que fossem os amigos do seu quinto neto já que os seus sumiram para ficar vivendo de saudades.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Decidido



 Hoje acordei pensando em você. Mas logo me lembrei daquela tarde de sábado, era dezembro, e eu estava sentado a beira mar.O céu estava cinza e caía uma fraca e fina garoa.
 Meu olhar se perdia no horizonte enquanto eu conversa com as ondas, foi o dia em que decidi que deveríamos acabar com o nosso falso romance, já que entre nós não existia mais um mundo e não me restava outra escolha, ainda que insegura.
 Naquele momento tocou no rádio que eu ouvia pelo fone do meu celular a música "O Show Já Terminou" de Roberto Carlos e aquela letra que parecia bastante apropriada me encorajou a me libertar de você.
 O mar me dizia que eu não deveria continuar uma farsa. E ele tinha razão. Decidido eu me levantei, abri os braços e como na música do baiano Gerônimo, "Abracei e Agradeci o mar pelos conselhos".
 Acontece que quando eu cheguei pra te alforriar de mim, você me recebeu com um lindo sorriso que me desmontou e num súbito pensei que o melhor era tentar novamente e assim traí o mar sem saber que na verdade quem estava sendo traído era eu.
 Só depois disso é que tomei coragem de verdade e te expulsei da minha vida, mas não do meu coração. Por isso que tem vezes, como hoje, quando acordo pensando em você, me lembro daquela tarde de sábado em que eu traí o mar.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Os Homens Ocos, de T. S. Eliot




Thomas Stearns Eliot foi um poeta modernista, dramaturgo e crítico literário inglês nascido nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1948. É considerado por muitos o poeta mais influente do século XX.( 26/9/1888 - 4/1/1965) 

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam — se o fazem — não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

— Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular